sexta-feira, 29 de abril de 2011

Capítulo 7 - Para os apaixonados

"Toco tua boca, com um dedo toco tua boca, a borda da tua boca, a desenho como se saísse da minha mão, como se fosse a primeira vez que sua boca se entreabrisse, e me basta fechar os olhos para desejar tudo e recomeçar, faço nascer cada vez a boca que desejo, a boca que a minha mão escolhe e a desenha no teu rosto, uma boca escolhida entre todas, com soberana liberdade escolhida, por mim, para desenhá-la com minha mão no teu rosto, e que por um acaso que não tendo compreender, coincide exatamente com tua boca que sorri por baixo da minha da que minha mão desenha. Tu me olhas, de perto me olhas, cada vez mais de perto e então jogamos o jogo do ciclope, nos olhamos cada vez mais de perto e os olhos crescem, se aproximam entre si, se superpõem e os ciclopes se olham, respiramos confusos, as bocas se encontram e lutam mornas, mordendo-se com os lábios, apoiando apenas a língua nos dentes, jogando com os seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então minhas mãos buscam entre seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamo como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância escura. E nos mordemos, a dor é doce, e nos afogamos em um breve e terrível absorver simultâneo do hálito, essa instantânea morte é bela. E existe só uma saliva e só um sabor de fruta madura, e eu te sinto tremer em mim como uma lua na água." 

Capítulo 7 - Rayuela - Julio Cortázar - Tradução (sem compromisso) de Sylvia Arcuri

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